segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Uma introspecção de um pseudo-solitário introvertido

Minha vida inteira eu me defini como solitário, mas estava errado: sou uma pessoa introvertida.

Introvertidos são constantemente introspectivos; isso é explicado pelo tempo que passam sozinhos, pensando sobre assuntos diversos, dos mais complexos aos mais imbecis. E nas minhas mais recentes introspecções, percebi o quanto extrovertidos têm me irritado.

Qualquer ser humano tem a tendência de se irritar com pessoas opostas a si, e isso é perfeitamente compreensível pelo fato de não compreendermos porque cargas d'água elas escolheram o caminho que nós nos negamos a seguir.
O problema é que temos muito mais propensão a nos irritarmos e sermos intolerantes com pessoas que possuem o mesmo defeito que nós; isso só acontece quando este defeito nos causa desconforto em reconhecê-lo em si mesmos. Pessoas que escondem sua baixa auto-estima atrás de qualquer mecanismo de compensação (por exemplo, exacerbado nível de vaidade estética) costumam se irritar com outras pessoas com baixa auto-estima, justamente por enxergarem na outra seus monstros escondidos, escancarados de uma forma quase caricata de tão honesta. A honestidade nos dói.

Pensando nesse sistema de autodefesa tão frágil que nós possuímos, fiquei tentando entender o porque de pessoas extrovertidas me irritarem. Mas antes disso, preciso explicar sobre a minha antiga concepção de solidão.

Desde pequeno eu gostei de ficar sozinho, no meu mundo; beirando vinte e oito anos, duvido que mudarei isso algum dia. Como dizem, "eu vivo fechado no meu mundinho porque ele é muito mais legal que o seu". Prefiro trabalhar e resolver problemas sozinho. Prefiro estudar, cozinhar, tomar café, fumar, escrever, desenhar e tudo o mais que você possa imaginar, sozinho. Não apenas prefiro, gosto.

Voltando à parte dos problemas, eu só costumo pedir ajuda quando não há outra opção, e isso não se deve a não confiar nas pessoas que se dispuseram a me ajudar ou pela dívida de honra que se origina depois de receber a ajuda; isso se deve à minha convicção de que se eu posso resolver algum assunto sozinho, assim será, pois o problema é meu. Com essa mentalidade conquistei meu pequeno mundo, e meus amigos sabem muito bem que quando eu peço ajuda é porque realmente estou precisando. Óbvio que muitas coisas eu conquistaria mais rápido com ajuda, mas me sinto imensamente orgulhoso do pouco que tenho e conquistei dando murro em ponta de faca, até a faca quebrar. Eu nunca disse que não era uma pedra de tão teimoso.

Já na fase adulta e me interessando por psicologia, reparei no medo irracional que muitos conhecidos possuem de ficar sozinhos, nem que seja por algumas horas. Existe a concepção de que ficar sozinho é ruim, faz mal, vai te deixar louco.

Vi pessoas chorarem por terem ficado sozinhas quatro horas, pessoas que há mais de trinta anos não reservam um dia para si mesmas, pessoas que vão visitar parentes quando não há ninguém em casa pelo simples medo da solidão, pessoas que estagnaram no âmbito profissional por não saberem como lidar com o tempo ocioso que um pedido de demissão causa. E ficar sozinho é que faz mal?

Percebi que todas estas pessoas possuem duas características: são extrovertidas e têm medo do silêncio. Para elas, um momento em que duas pessoas ficam em silêncio é o cúmulo da falta de proximidade, relações pessoais necessariamente precisam ser divertidas e falantes para serem prazerosas. Para mim, o silêncio é sinal de que não é necessário dizer algo para o momento ser bom.

O medo do silêncio sempre significou, pelo menos ao meu ver, o medo de se ouvir. A introspecção necessita de silêncio. A meditação, o raciocínio, o reconhecimento dos sentimentos mais profundos. Ter medo do silêncio é ter medo de si mesmo.

Eu não sou arrogante a ponto de afirmar que me conheço totalmente, e nem que me aceito na mesma proporção. Todos temos monstros escondidos nas camadas mais profundas da nossa personalidade, mas eu costumo conhecer meus monstros, entendê-los e combatê-los. Isso só é possível através da introspecção.

Pessoas que não se conhecem bem costumam ser superficiais, talvez pelo fato de só conhecerem a superfície de si mesmos. Transferem responsabilidades de seus próprios atos para outros indivíduos só pelo medo de admitirem que possam estar erradas.

Sempre me considerei solitário e nunca tive problemas com a solidão até morar sozinho. Nessa época pude realmente sentir o abismo que é a solidão. E não, não é o que você sente quando ninguém parece te entender ou te apoiar: isso é egocentrismo, puro e simples.

A solidão verdadeira é um buraco na alma, e é muito difícil preenchê-lo. Você pode ir em uma festa e se divertir, mas assim que ficar sozinho de novo o buraco dói. E digo que ele aumenta, pois depois de uma interação social você tem a noção palpável do que não tem. Isso dói demais e com o tempo você evita ver pessoas.
A solidão te deixa apático. Você não chora, nem fica triste ou feliz. Você simplesmente não sente mais nada.
A solidão te dá a sensação e a aceitação da mortalidade. Você não consegue dormir se pensar que um desmaio no banheiro pode te matar, já que não tem ninguém ali para te ajudar. Ou você aceita a fragilidade da própria existência ou volta a morar debaixo da asa da mamãe.

E que fique claro: morar sozinho foi uma das melhores fases da minha vida, mesmo com a solidão. Aconselho a todos que conheço essa experiência e repetiria essa fase da vida sem pestanejar. Tenho saudades dessa época, por sinal.

Depois desse sofrimento com a solidão comecei a questionar se eu realmente sou solitário. Não, eu sou introvertido. Solitário é alguém que não tem ninguém, por opção ou não. Introvertido é alguém fechado em si mesmo, que precisa constantemente de um tempo sozinho para si e tem dificuldades em começar um diálogo com uma pessoa estranha.

E o porque de me irritar com extrovertidos? Além do fato de terem tomado decisões que eu refutei por considerar absurdas, muito das características me irritam por serem apenas versões diferentes das fugas psicológicas que eu uso.
Enquanto eles falam por medo do silêncio mostrar suas falhas, eu não falo pelo mesmo motivo.
Enquanto são superficiais, eu teimo em me afirmar como profundo, justamente pelo medo de ser superficial. Me irritar com essas características mostra a superficialidade da minha personalidade, por sinal.

A conclusão - se é que há alguma - é que o homem sempre buscará a perfeição, em si próprio ou no outro. O problema é que o perfeito é mutável, dependendo do observador. A perfeição que buscamos incessantemente é apenas a nossa dificuldade egoísta de aceitar traços e gostos diferentes dos nossos ideais; dificuldade tão grande que nos faz corromper toda uma forma clara e honesta de enxergarmos o mundo e as pessoas ao nosso redor, com o único propósito de não destruirmos a nossa frágil personalidade.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Carta ao filósofo contemporâneo Tim Maia

Tim Maia falou: "Este país não pode dar certo. Aqui prostituta de apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita"

Pobre aqui é de direita só porque não sabe o que é direita, Tim. 

Tim, há anos eu defendo que não adianta nós termos políticos decentes; se a população não tiver consciência política nada nunca irá mudar, não importa se o Boi-Tatá seja eleito. 
O nosso sistema político encoraja os candidatos a puxarem a sardinha para o próprio lado, e idiota é o cidadão que espera que apareça o candidato perfeito, paladino level 87 com o coração imaculado e seu alazão da justiça. 
A cada eleição eu me decepciono mais e mais com essa consciência política popular que não sabe o que é esquerda e direita ou não tem a mínima ideia de como funciona um Estado Democrático de Direito, mas espera pacientemente esse herói bonzinho para lutar contra os malvados vilões corruptos de nossa sociedade. Acho que você se revolta com isso também, Tim.

Entenda, eu não tenho nada contra pessoas ignorantes; todos temos o direito de não conhecer algum assunto. O problema é que tem gente gritando "a Terra é quadrada!" por aí, só porque está na moda achar que a Terra é quadrada. E o pior é que quando alguém explica que ela é redonda, te chamam de alienado. Você não sabe como é isso, Tim!

Os pobres direitistas daqui gritam aos quatro ventos "O Lula seduziu São Paulo, é o cúmulo! Povo burro que concorda com o Mensalão!"
Aí que eles se enganam Tim, o povo paulistano tem uma aversão histórica ao PT, e acredite: isso não mudou não. O povo não elegeu Haddad; o povo votou no oponente do Serra.
Nesse segundo turno, a eleição foi decidida por quem tinha menos rejeição. Serra perdeu, e por efeito colateral Haddad foi eleito. Se fosse o Maluf Júnior disputando, teríamos um discípulo da velha ave de rapina no comando em 2013. Se fosse o Quércia Júnior, idem. Serra só ganharia se disputasse com candidatos anões, e olha lá Tim. O careca tá muito queimado, cara.

Você foi embora faz muito tempo Tim, então talvez não sabia disso tudo, mas esses caras estão há 20 anos governando São Paulo sem fazer nada de concreto.
Eu lembro quando o Covas (que sobrenome irônico, não?) implantou a progressão continuada no sistema público de ensino, Tim. Foi triste cara; hoje em dia tem adolescente que não consegue ler uma revista por causa disso.
Também lembro quando ele digitalizou com dinheiro público todo o sistema telefônico do Estado para privatizar a Telesp, com a desculpa de melhorar a qualidade do serviço; até hoje o serviço é um lixo, 13 anos depois, Tim. É campeão de reclamações no Procom.
Lembro da Telesp Celular, aconteceu a mesma coisa, Tim. Tem até operadora com o seu nome, cara.
Teve também a concessão das rodovias, que por coincidência foram quase todas para o mesmo grupo, Tim. Por coincidência, esse mesmo grupo é responsável pela fiscalização dos veículos da cidade, e pelas linhas novas do Metrô também, Tim. Não se sai mais dessa cidade sem dar dinheiro pra eles, e daqui a pouco a gente não ia mais andar aqui dentro sem dar grana pra eles também, Tim. Coincidência pura, rapaz, não sei como ninguém viu isso!

Então Tim, voltando ao assunto, domingão passado aconteceu algo histórico: o maior nome dos tucanos perdeu, no maior celeiro eleitoral deles. Foi um golpe duro, dizem que até estão meio desesperados. O atual prefeito daqui de São Paulo - cara esperto pra caramba - já pulou fora e disse que vai apoiar o governo novo.
Na minha opinião, se eles também perderem a próxima eleição pra governador, os tucanos serão extintos, Tim. Tem até papo de dissolução do partido e tudo mais, cara!

Eu até fiquei feliz com a notícia, viu Tim. Pensei que o pessoal tinha começado a pensar e tudo mais... mas foi só um susto mesmo. Hoje mesmo tinha gente gritando groselha, reclamando que o novo prefeito vai demorar um ano pra incorporar suas propostas de campanha (porque o projeto tem que passar na Câmara) e por isso o povo que votou nele tem mais é que se f**** e tudo mais. Parece que o pessoal já esqueceu o que acontece quando um governante tem autonomia total, Tim.

Vira e mexe tem até gente dizendo que na época da Ditadura tudo era melhor, cara. Até elegeram dois vereadores que aacreditam que a Revolução de 64 foi uma revolução mesmo, Tim. São militares os dois, óbvio; um deles tem 84 homicídios assinados, Tim. Tá feio pra caramba o negócio, cara.

A única parte boa dessa história toda, Tim, é que o Maluf Júnior perdeu o primeiro turno porque a única mídia ainda livre se uniu contra ele. Foi até bonito de ver, cara: vários posts, várias discussões, gente realmente se interessando no assunto. As pesquisas de opinião erraram feio, mas o pessoal estima que ele perdeu mais de 30% das intenções de voto nessa campanha! Foi bem legal, cara!

Eu juro que estou tentando ser otimista, viu Tim, mas não dá pra confiar muito nesse cara novo não. Ele já fez umas cacas lá em Brasília quando foi Ministro da Educação, o partido dele tá todo metido em escândalos, e pra ser sincero, o PT não é mais o que era nos anos de chumbo. Eu me decepcionei muito com eles; ainda bem que você foi embora antes, viu Tim.

O que dá pra ficar de esperança é que agora vai ser difícil um partido que não faz nada ficar 20 anos no poder. Essa tal de internet tá bombando cara! Se o pessoal aprendesse a pensar, em menos de 10 anos nosso país ficava igual à Islândia. Procura no Google, Tim, tem um artigo legal pra caramba do Vladimir Safatle sobre a Islândia.

Grande abraço, Tim! Diz pro Huxley e pro Orwell que eles estavam certos.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um Tapinha Não Dói

O leitor pode estar se perguntando do motivo do título banal. Mas aviso o leitor que essa, acima de todas, é a maior e melhor história de amor já escrita nestes tempos. Um pouco bruta, um pouco ríspida talvez; mas o significado para os bons entendedores valerá a pena, o autor aqui garante.

Dona Amanda era uma mulher exemplar. Trabalhadora, inteligente, esforçada e aplicada em todas as suas tarefas. Era casada com o senhor Athaíde, homem igualmente íntegro, conhecedor e executor de todas as boas maneiras conhecidas neste mundo e em outros. Os dois juntos construíram uma ótima condição financeira, propriedades e três filhos lindos. Formavam um casal formidável; eram tão formidáveis que a maioria das pessoas nem inveja deles tinham. Para ser sincero, só um dos conhecidos de Athaíde, um homem chamado Saulo tinha sentimentos degenerativos quanto ao casal.

Em um bar, Saulo disse ao grande Athaíde:
- Sabe Atha, as vezes me pego pensando no seu casamento. Vocês são tão felizes.
- Sim, somos muito felizes. Somos fiéis um ao outro, acima de tudo. - respondeu Athaíde.
- Entendo... mas eu estava pensando que sua digníssima esposa apenas está com você por comodidade. Aposto que se acontecesse a degeneração de sua qualidade de vida ela se cansaria de você e arranjaria outro homem. - disse o perverso Saulo.
- Não, isso é impossível! - disse o grandissímo Athaíde.
- Eu aposto, meu caro. Ela só está com você por comodidade.

O senhor Athaíde, encucado com tamanha dúvida, resolveu tirar a prova. Repentinamente, resolveu mudar a família inteira para a rua, vivendo como mendigos. Pedindo esmolas, comida e água, se passaram vários meses. Amanda, por vez, aceitou com calma sua nova situação, e reconheceu que se o marido fazia isso, algum motivo teria, e aquele não era o momento de inquiri-lo.

Neste momento o leitor deve estar pensando que Amanda provou seu amor a Athaíde, e eles viveram felizes para sempre. Encarecidamente peço paciência ao leitor para que vislumbre os próximos acontecimentos.

Atha chegou a Saulo e disse:
- Você estava errado, meu caro. Minha esposa continua me amando como sempre. Nossa relação é um rochedo.
- Confesso que me precipitei, meu amigo. Mas aposto que ela só continua ao seu lado porque a sua família ainda é unida.
- E como poderíamos testar essa possibilidade? - perguntou Atha.
- Veja bem: se você pedir o divórcio acabará se separando de sua família e o teste não funcionaria. Amanda continuaria com seus filhos e lamentaria sua ausência, porém nada maior ocorrerá. É necessária uma ação mais drástica: para testar o amor de sua esposa, preciso de sua autorização para matar seus filhos. Assim só ficarão você e ela, sem interferências. - respondeu Saulo, o perverso.

Athaíde, apesar de pasmo com a ideia, a aceitou devido à grande dúvida que o cometia. Saulo, sob a condição de não encostar em Amanda, matou os três filhos do casal de forma sanguinária.

Amanda, pois bem, continuou a amá-lo. Mesmo sozinhos, eram inseparáveis.


O leitor agora deve estar pensando que Athaíde não merece a companheira. Mas Amanda já provou seu amor, certo? Peço que o leitor tenha paciência e estômago, pois essa lindíssima história de amor ainda não chegou ao fim, apesar de grande parcela da narrativa já ter se desenrolado.


Saulo, visivelmente estupefato, admitiu seu erro a Athaíde:
- Eu estava enganado, meu caro. Mas o amor de Amanda por ti é grande, mas aposto que não incondicional.
- Como assim, homem? Já perdemos tudo! - exclamou absorvido Athaíde, o grande.
- Veja, Atha: Amanda, apesar de tudo, ainda é uma mulher bonita. Creio que sua vaidade a mantenha em pé, perante todos esses males que lhes causei. Se ela perdesse sua beleza...


Athaíde, contrariado, concordou que Saulo acabasse com a beleza de sua esposa; ele tinha que ter certeza de seu amor incondicional. Anonimamente Saulo jogou ácido no rosto e corpo de Amanda. Tamanha a desfiguração que lhe ocorreu, Amanda só manteve parte dos cabelos intactos: todo o resto de sua aparência estava monstruosamente alterada, com horrendas chagas lhe ocorrendo por todo o corpo.
Mesmo assim, Amanda continuou amando Athaíde, seu único e verdadeiro amor. Seu amor era fortaleza.


Você leitor, agora, deve estar embasbacado com o destino de Amanda, e com razão, lhe digo. Mas peço um pouco mais de parcimônia e sangue frio, pois essa lindíssima história de amor está quase chegando a seu estupendo ápice.

- Atha, Atha. Sua amada ainda não me convenceu. Você também não deveria se convencer. - disse Saulo.
- Saulo, homem! Ela perdeu tudo, não há lugar mais baixo que Amanda possa chegar! - esbravejou Athaíde.
- Ela ainda tem você, meu amigo. Abandone-a que você verá o que acontece.


Athaíde, sob grande pesar, mais uma vez seguiu o conselho de Saulo. Abandonou a desfigurada, mãe-sem-filhos e agora solitária e divorciada Amanda. Esta antes bela e virtuosa mulher estava no pior momento de sua vida. Com tudo que lhe tinha acontecido, seus antigos amigos a haviam abandonado, e quando estes a viam, cuspiam em sua antes formosa face e lhe chutavam a face e costelas, tamanha a repugnância que lhes passava.
Mesmo assim, Amanda, todos os dias antes de dormir em qualquer chão fedorento lembrava de seu amado Athaíde, esperançosa por tempos melhores. Seu amor não havia diminuído em nada.


Leitor, peço só um pouco de seu tempo pois essa belíssima, estupenda, e por que não dizer maravilhosa história de amor incondicional está chegando ao seu ápice, previsto erroneamente pelo autor no texto itálico anterior.


Amanda, sem nada mais na vida para se orgulhar, no ápice da miséria, teve a grande felicidade de encontrar um antigo amigo, Elifaz, que sabia do responsável por tudo que lhe havia acontecido. Quando Amanda soube que fora seu ex-marido que a deixou na miséria, morando nas ruas e que autorizou a morte de seus filhos e sua desfiguração ficou pasma. De tão chocada, arrancou seus poucos cabelos que lhe restavam, se vestiu com panos de saco e chorou. Mas a vida é uma caixinha de surpresas, e Amanda continuou amando Athaíde. Queria saber o motivo de tudo, porém.

Quando viu Athaíde na rua, se prostrou por terra e chamou o seu amado:

- Athaíde, por favor, converse comigo. Sei que foi você que me fez sofrer, e imagino que fez isso para testar meu amor por ti. Por favor, me explique o que ocorreu pois eu te amo!
Athaíde se contrariou com a pergunta:
- Mulher! Como ousa questionar meus objetivos? Eu que lhe sustentei durante anos! Te dei amor, uma família, um lar, propriedades e qualidade de vida e é assim que me retribui? Quem pagou sua faculdade, quem comprou seus sapatos? Quem fez carinho em você e em nossos filhos quando não conseguiam dormir? COMO OUSA?
- Me desculpe, meu amado. Peço seu perdão pela insolência.


E com esse diálogo, Athaíde se convenceu do amor de Amanda. Ela fez várias cirurgias plásticas, a ponto que ficou muito mais bela do que era anteriormente. Casaram-se novamente, tiveram mais seis filhos, moraram numa casa muito maior e tiveram o dobro de propriedades. Viveram felizes para sempre, e Amanda descobriu que um tapinha não dói.


Grande leitor, agradeço pelo perseverança na leitura do meu singelo conto. Espero que tenha entendido que o amor incondicional deve e pode ser testado, mesmo que o objeto que o ama nunca tenho dado motivos para a dúvida. Espero que tenha entendido que Athaíde - apesar de aparentemente um psicopata inseguro e infantil - é apenas um homem que tinha dúvidas do amor incondicional de Amanda. E espero que se identifiquem com Amanda, fenomenal personagem que nos remete à nós mesmos, sempre infelizes com nosso destino.
Digo também que se um dia este belíssimo, reflexivo e sapiencial conto for publicado em um grande e respeitado livro, ele será posicionado anteriormente a um grande capítulo de temas musicais de exaltação a Athaíde, esse lindão.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ser ou não estar?

Nós somos seres mutáveis. No decorrer de nossa jornada frequentemente mudamos de opinião e revemos nossos conceitos sobre tudo. Verdades antes absolutas se mostram equívocos esfregando em nosso rosto a nossa volatilidade.
Percebo que as pessoas demonstram uma dificuldade enorme de admitir que estavam erradas, seja em uma conversa mundana de mesa de bar, em debates acalorados ou em decisões sobre a vida. Felizmente, aprendi a não ter problemas em admitir meus erros, a fazer o possível para remediá-los e a pedir desculpas por tudo o que eu possa ter causado. O problema é que eu, pelo menos, demoro para perceber que errei.
De erro, subentende-se que se saiba o que é certo, e o certo nunca é fixo em qualquer âmbito de raciocínio; daí aparecem os arrependimentos que mais frequentemente do que deveriam tornam tarde demais a remediação completa do dano.

Nos últimos anos, tenho trocado o verbo ser pelo estar em muitas das minhas frases. Sinceramente não sei se é pela minha idade ou maturidade, mas ser alguma coisa tem me parecido muito duro; estar alguma coisa é mais correto aos meus ouvidos: me lembra do quanto meus pensamentos podem mudar.
Um pensamento que me veio agora: é bem conveniente o verbo to be do Inglês significar as duas coisas ao mesmo tempo. Me passou pela cabeça que nossa linguagem lusitana é meio prepotente, nos impossibilitando de sintetizar estes dois verbos que tem praticamente o mesmo significado mas com julgamentos temporais diferentes. Ou talvez a língua inglesa seja conveniente demais com a humanidade, falha por si só. Vai saber.

Assisto triste a formação de paradigmas maniqueístas, baseados nos ridículos conceitos binários do bem e do mal, do certo e do errado, de Belerofonte matando a Quimera. Esses paradigmas formam uma blindagem ao raciocínio lógico que está eternamente em desenvolvimento, e que é belo justamente pela própria mutabilidade.

Os cientistas, sábios e estudiosos como só eles, nomeiam suas verdades como teorias, e isso os lembra que nada é imutável. Recentemente a Teoria da Relatividade de Einstein foi confrontada com o Grande Colisor de Hádrons e uma nova era da física está por vir, corroborando tudo o que o alemão provou. A beleza é que a corroboração da teoria não invalida seu mérito: vai ser eternamente lembrada como um degrau importante na compreensão das leis do tempo e do espaço, possibilitando um avanço enorme na tecnologia. Ironicamente, o resumo da mais famosa teoria da física é que "tudo é relativo". Einstein ficaria orgulhoso de estar errado.

Analisando leigamente a dificuldade humana de assumir seus erros, me vem à cabeça o grande problema da nossa espécie na minha visão: a auto-estima. Esta maldita normalmente tem comportamentos dúbios: quando alta demais nos torna prepotentes; quando baixa demais nos torna inseguros e desejosos de auto-afirmação.

Meu tio me disse quando eu estava no auge da adolescência: "é preciso estar muito certo pra admitir que está errado". Eu, na época mais arrogante da minha vida não entendi o que ele quis dizer, e quatorze anos depois entendo que ele se referia à coragem e honras necessárias para se abaixar a cabeça. Ironicamente, este sábio faleceu prematuramente negando a todos os seus problemas.

Empresto aqui o raciocínio do meu tio, e digo: o certo é aceitar que um dia você estará errado, e aceitar a mudança como algo natural. 

Olha eu afirmando alguma coisa com verbo ser de novo. Merda.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Sobre a artística necessidade da música

Fazer arte é só para os fortes. É necessária uma coragem absurda.

O problema não é nem mostrar a sua arte para os outros, mesmo porque a divulgação não é obrigatória. O problema é lidar com os próprios demônios, dominá-los e traduzi-los para uma forma de arte. Esse processo é extremamente dolorido.

A arte é incrível porque por meio dela é possível dizer o que as palavras não conseguem. Pelo menos as minhas não conseguem. Adoraria conseguir sentar aqui e passar para um texto o que eu estou sentindo, mas me falta a habilidade para tanto. Não tem jeito: nunca um texto meu vai passar a tristeza que eu sinto quando eu penso em algumas coisas. Isso até seria possível se eu estudasse e desenvolvesse a minha escrita, mas pra mim a literatura é mais uma arte a ser apreciada do que desenvolvida.

A música era a minha arte. As melodias que saíam da minha cabeça nunca foram tão boas quanto eu achava que deveriam ser, mas eram suficientes boas para eu poder dizer o que queria. As harmonias nunca foram suficientemente densas como eu imaginava, mas o timbre e a dinâmica corrigiam essa minha falha, e o resultado era satisfatório. Por meio da música eu falei sobre o amor, a paixão, a raiva, a solidão, a tristeza, a saudade.

Sempre me disseram que tudo o que eu compunha era triste. Isso acontecia porque poucos sentimentos bons me inspiravam a ponto de precisarem serem traduzidos em acordes e melodias. O processo de composição sempre me serviu como reflexão, tanto é que minhas composições demoravam meses pra ficarem prontas. Eram polidas até a exaustão, até que o próprio sentimento que as originou fosse resolvido, aceitado, aproveitado ou o raio-que-o-parta. Eu só me sentia confortável para mostrar minha música quando me sentisse confortável o suficiente pra mostrar meu sentimento. Terapia pura.

Largar a música foi a decisão mais difícil que tomei na vida. Foi como se eu ouvisse tanta bobagem que acabasse fazendo um voto de silêncio de tão magoado que estava com a linguagem. Foi como parar de pintar por ter raiva das cores, ou parar de escrever por não ver mais sentido nas letras. Perder esse amor pela arte é algo que eu não desejo pra ninguém.

Ultimamente eu tenho sentido muita saudade de tocar, e creio que esteja na reta final desse também doloroso processo de retorno. Parece que eu tenho sentido necessidade de voltar a "falar música".
Creio que só agora, anos depois, eu tenha tido a capacidade de lidar com meus demônios e voltar a traduzi-los em arte. Hoje eu acho que sou capaz de tocar por tocar, e não pra viver.

E realmente, a escrita não é meu forte. Esse texto nem era pra ser sobre isso.