segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um Tapinha Não Dói

O leitor pode estar se perguntando do motivo do título banal. Mas aviso o leitor que essa, acima de todas, é a maior e melhor história de amor já escrita nestes tempos. Um pouco bruta, um pouco ríspida talvez; mas o significado para os bons entendedores valerá a pena, o autor aqui garante.

Dona Amanda era uma mulher exemplar. Trabalhadora, inteligente, esforçada e aplicada em todas as suas tarefas. Era casada com o senhor Athaíde, homem igualmente íntegro, conhecedor e executor de todas as boas maneiras conhecidas neste mundo e em outros. Os dois juntos construíram uma ótima condição financeira, propriedades e três filhos lindos. Formavam um casal formidável; eram tão formidáveis que a maioria das pessoas nem inveja deles tinham. Para ser sincero, só um dos conhecidos de Athaíde, um homem chamado Saulo tinha sentimentos degenerativos quanto ao casal.

Em um bar, Saulo disse ao grande Athaíde:
- Sabe Atha, as vezes me pego pensando no seu casamento. Vocês são tão felizes.
- Sim, somos muito felizes. Somos fiéis um ao outro, acima de tudo. - respondeu Athaíde.
- Entendo... mas eu estava pensando que sua digníssima esposa apenas está com você por comodidade. Aposto que se acontecesse a degeneração de sua qualidade de vida ela se cansaria de você e arranjaria outro homem. - disse o perverso Saulo.
- Não, isso é impossível! - disse o grandissímo Athaíde.
- Eu aposto, meu caro. Ela só está com você por comodidade.

O senhor Athaíde, encucado com tamanha dúvida, resolveu tirar a prova. Repentinamente, resolveu mudar a família inteira para a rua, vivendo como mendigos. Pedindo esmolas, comida e água, se passaram vários meses. Amanda, por vez, aceitou com calma sua nova situação, e reconheceu que se o marido fazia isso, algum motivo teria, e aquele não era o momento de inquiri-lo.

Neste momento o leitor deve estar pensando que Amanda provou seu amor a Athaíde, e eles viveram felizes para sempre. Encarecidamente peço paciência ao leitor para que vislumbre os próximos acontecimentos.

Atha chegou a Saulo e disse:
- Você estava errado, meu caro. Minha esposa continua me amando como sempre. Nossa relação é um rochedo.
- Confesso que me precipitei, meu amigo. Mas aposto que ela só continua ao seu lado porque a sua família ainda é unida.
- E como poderíamos testar essa possibilidade? - perguntou Atha.
- Veja bem: se você pedir o divórcio acabará se separando de sua família e o teste não funcionaria. Amanda continuaria com seus filhos e lamentaria sua ausência, porém nada maior ocorrerá. É necessária uma ação mais drástica: para testar o amor de sua esposa, preciso de sua autorização para matar seus filhos. Assim só ficarão você e ela, sem interferências. - respondeu Saulo, o perverso.

Athaíde, apesar de pasmo com a ideia, a aceitou devido à grande dúvida que o cometia. Saulo, sob a condição de não encostar em Amanda, matou os três filhos do casal de forma sanguinária.

Amanda, pois bem, continuou a amá-lo. Mesmo sozinhos, eram inseparáveis.


O leitor agora deve estar pensando que Athaíde não merece a companheira. Mas Amanda já provou seu amor, certo? Peço que o leitor tenha paciência e estômago, pois essa lindíssima história de amor ainda não chegou ao fim, apesar de grande parcela da narrativa já ter se desenrolado.


Saulo, visivelmente estupefato, admitiu seu erro a Athaíde:
- Eu estava enganado, meu caro. Mas o amor de Amanda por ti é grande, mas aposto que não incondicional.
- Como assim, homem? Já perdemos tudo! - exclamou absorvido Athaíde, o grande.
- Veja, Atha: Amanda, apesar de tudo, ainda é uma mulher bonita. Creio que sua vaidade a mantenha em pé, perante todos esses males que lhes causei. Se ela perdesse sua beleza...


Athaíde, contrariado, concordou que Saulo acabasse com a beleza de sua esposa; ele tinha que ter certeza de seu amor incondicional. Anonimamente Saulo jogou ácido no rosto e corpo de Amanda. Tamanha a desfiguração que lhe ocorreu, Amanda só manteve parte dos cabelos intactos: todo o resto de sua aparência estava monstruosamente alterada, com horrendas chagas lhe ocorrendo por todo o corpo.
Mesmo assim, Amanda continuou amando Athaíde, seu único e verdadeiro amor. Seu amor era fortaleza.


Você leitor, agora, deve estar embasbacado com o destino de Amanda, e com razão, lhe digo. Mas peço um pouco mais de parcimônia e sangue frio, pois essa lindíssima história de amor está quase chegando a seu estupendo ápice.

- Atha, Atha. Sua amada ainda não me convenceu. Você também não deveria se convencer. - disse Saulo.
- Saulo, homem! Ela perdeu tudo, não há lugar mais baixo que Amanda possa chegar! - esbravejou Athaíde.
- Ela ainda tem você, meu amigo. Abandone-a que você verá o que acontece.


Athaíde, sob grande pesar, mais uma vez seguiu o conselho de Saulo. Abandonou a desfigurada, mãe-sem-filhos e agora solitária e divorciada Amanda. Esta antes bela e virtuosa mulher estava no pior momento de sua vida. Com tudo que lhe tinha acontecido, seus antigos amigos a haviam abandonado, e quando estes a viam, cuspiam em sua antes formosa face e lhe chutavam a face e costelas, tamanha a repugnância que lhes passava.
Mesmo assim, Amanda, todos os dias antes de dormir em qualquer chão fedorento lembrava de seu amado Athaíde, esperançosa por tempos melhores. Seu amor não havia diminuído em nada.


Leitor, peço só um pouco de seu tempo pois essa belíssima, estupenda, e por que não dizer maravilhosa história de amor incondicional está chegando ao seu ápice, previsto erroneamente pelo autor no texto itálico anterior.


Amanda, sem nada mais na vida para se orgulhar, no ápice da miséria, teve a grande felicidade de encontrar um antigo amigo, Elifaz, que sabia do responsável por tudo que lhe havia acontecido. Quando Amanda soube que fora seu ex-marido que a deixou na miséria, morando nas ruas e que autorizou a morte de seus filhos e sua desfiguração ficou pasma. De tão chocada, arrancou seus poucos cabelos que lhe restavam, se vestiu com panos de saco e chorou. Mas a vida é uma caixinha de surpresas, e Amanda continuou amando Athaíde. Queria saber o motivo de tudo, porém.

Quando viu Athaíde na rua, se prostrou por terra e chamou o seu amado:

- Athaíde, por favor, converse comigo. Sei que foi você que me fez sofrer, e imagino que fez isso para testar meu amor por ti. Por favor, me explique o que ocorreu pois eu te amo!
Athaíde se contrariou com a pergunta:
- Mulher! Como ousa questionar meus objetivos? Eu que lhe sustentei durante anos! Te dei amor, uma família, um lar, propriedades e qualidade de vida e é assim que me retribui? Quem pagou sua faculdade, quem comprou seus sapatos? Quem fez carinho em você e em nossos filhos quando não conseguiam dormir? COMO OUSA?
- Me desculpe, meu amado. Peço seu perdão pela insolência.


E com esse diálogo, Athaíde se convenceu do amor de Amanda. Ela fez várias cirurgias plásticas, a ponto que ficou muito mais bela do que era anteriormente. Casaram-se novamente, tiveram mais seis filhos, moraram numa casa muito maior e tiveram o dobro de propriedades. Viveram felizes para sempre, e Amanda descobriu que um tapinha não dói.


Grande leitor, agradeço pelo perseverança na leitura do meu singelo conto. Espero que tenha entendido que o amor incondicional deve e pode ser testado, mesmo que o objeto que o ama nunca tenho dado motivos para a dúvida. Espero que tenha entendido que Athaíde - apesar de aparentemente um psicopata inseguro e infantil - é apenas um homem que tinha dúvidas do amor incondicional de Amanda. E espero que se identifiquem com Amanda, fenomenal personagem que nos remete à nós mesmos, sempre infelizes com nosso destino.
Digo também que se um dia este belíssimo, reflexivo e sapiencial conto for publicado em um grande e respeitado livro, ele será posicionado anteriormente a um grande capítulo de temas musicais de exaltação a Athaíde, esse lindão.

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