terça-feira, 30 de outubro de 2012

Carta ao filósofo contemporâneo Tim Maia

Tim Maia falou: "Este país não pode dar certo. Aqui prostituta de apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita"

Pobre aqui é de direita só porque não sabe o que é direita, Tim. 

Tim, há anos eu defendo que não adianta nós termos políticos decentes; se a população não tiver consciência política nada nunca irá mudar, não importa se o Boi-Tatá seja eleito. 
O nosso sistema político encoraja os candidatos a puxarem a sardinha para o próprio lado, e idiota é o cidadão que espera que apareça o candidato perfeito, paladino level 87 com o coração imaculado e seu alazão da justiça. 
A cada eleição eu me decepciono mais e mais com essa consciência política popular que não sabe o que é esquerda e direita ou não tem a mínima ideia de como funciona um Estado Democrático de Direito, mas espera pacientemente esse herói bonzinho para lutar contra os malvados vilões corruptos de nossa sociedade. Acho que você se revolta com isso também, Tim.

Entenda, eu não tenho nada contra pessoas ignorantes; todos temos o direito de não conhecer algum assunto. O problema é que tem gente gritando "a Terra é quadrada!" por aí, só porque está na moda achar que a Terra é quadrada. E o pior é que quando alguém explica que ela é redonda, te chamam de alienado. Você não sabe como é isso, Tim!

Os pobres direitistas daqui gritam aos quatro ventos "O Lula seduziu São Paulo, é o cúmulo! Povo burro que concorda com o Mensalão!"
Aí que eles se enganam Tim, o povo paulistano tem uma aversão histórica ao PT, e acredite: isso não mudou não. O povo não elegeu Haddad; o povo votou no oponente do Serra.
Nesse segundo turno, a eleição foi decidida por quem tinha menos rejeição. Serra perdeu, e por efeito colateral Haddad foi eleito. Se fosse o Maluf Júnior disputando, teríamos um discípulo da velha ave de rapina no comando em 2013. Se fosse o Quércia Júnior, idem. Serra só ganharia se disputasse com candidatos anões, e olha lá Tim. O careca tá muito queimado, cara.

Você foi embora faz muito tempo Tim, então talvez não sabia disso tudo, mas esses caras estão há 20 anos governando São Paulo sem fazer nada de concreto.
Eu lembro quando o Covas (que sobrenome irônico, não?) implantou a progressão continuada no sistema público de ensino, Tim. Foi triste cara; hoje em dia tem adolescente que não consegue ler uma revista por causa disso.
Também lembro quando ele digitalizou com dinheiro público todo o sistema telefônico do Estado para privatizar a Telesp, com a desculpa de melhorar a qualidade do serviço; até hoje o serviço é um lixo, 13 anos depois, Tim. É campeão de reclamações no Procom.
Lembro da Telesp Celular, aconteceu a mesma coisa, Tim. Tem até operadora com o seu nome, cara.
Teve também a concessão das rodovias, que por coincidência foram quase todas para o mesmo grupo, Tim. Por coincidência, esse mesmo grupo é responsável pela fiscalização dos veículos da cidade, e pelas linhas novas do Metrô também, Tim. Não se sai mais dessa cidade sem dar dinheiro pra eles, e daqui a pouco a gente não ia mais andar aqui dentro sem dar grana pra eles também, Tim. Coincidência pura, rapaz, não sei como ninguém viu isso!

Então Tim, voltando ao assunto, domingão passado aconteceu algo histórico: o maior nome dos tucanos perdeu, no maior celeiro eleitoral deles. Foi um golpe duro, dizem que até estão meio desesperados. O atual prefeito daqui de São Paulo - cara esperto pra caramba - já pulou fora e disse que vai apoiar o governo novo.
Na minha opinião, se eles também perderem a próxima eleição pra governador, os tucanos serão extintos, Tim. Tem até papo de dissolução do partido e tudo mais, cara!

Eu até fiquei feliz com a notícia, viu Tim. Pensei que o pessoal tinha começado a pensar e tudo mais... mas foi só um susto mesmo. Hoje mesmo tinha gente gritando groselha, reclamando que o novo prefeito vai demorar um ano pra incorporar suas propostas de campanha (porque o projeto tem que passar na Câmara) e por isso o povo que votou nele tem mais é que se f**** e tudo mais. Parece que o pessoal já esqueceu o que acontece quando um governante tem autonomia total, Tim.

Vira e mexe tem até gente dizendo que na época da Ditadura tudo era melhor, cara. Até elegeram dois vereadores que aacreditam que a Revolução de 64 foi uma revolução mesmo, Tim. São militares os dois, óbvio; um deles tem 84 homicídios assinados, Tim. Tá feio pra caramba o negócio, cara.

A única parte boa dessa história toda, Tim, é que o Maluf Júnior perdeu o primeiro turno porque a única mídia ainda livre se uniu contra ele. Foi até bonito de ver, cara: vários posts, várias discussões, gente realmente se interessando no assunto. As pesquisas de opinião erraram feio, mas o pessoal estima que ele perdeu mais de 30% das intenções de voto nessa campanha! Foi bem legal, cara!

Eu juro que estou tentando ser otimista, viu Tim, mas não dá pra confiar muito nesse cara novo não. Ele já fez umas cacas lá em Brasília quando foi Ministro da Educação, o partido dele tá todo metido em escândalos, e pra ser sincero, o PT não é mais o que era nos anos de chumbo. Eu me decepcionei muito com eles; ainda bem que você foi embora antes, viu Tim.

O que dá pra ficar de esperança é que agora vai ser difícil um partido que não faz nada ficar 20 anos no poder. Essa tal de internet tá bombando cara! Se o pessoal aprendesse a pensar, em menos de 10 anos nosso país ficava igual à Islândia. Procura no Google, Tim, tem um artigo legal pra caramba do Vladimir Safatle sobre a Islândia.

Grande abraço, Tim! Diz pro Huxley e pro Orwell que eles estavam certos.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um Tapinha Não Dói

O leitor pode estar se perguntando do motivo do título banal. Mas aviso o leitor que essa, acima de todas, é a maior e melhor história de amor já escrita nestes tempos. Um pouco bruta, um pouco ríspida talvez; mas o significado para os bons entendedores valerá a pena, o autor aqui garante.

Dona Amanda era uma mulher exemplar. Trabalhadora, inteligente, esforçada e aplicada em todas as suas tarefas. Era casada com o senhor Athaíde, homem igualmente íntegro, conhecedor e executor de todas as boas maneiras conhecidas neste mundo e em outros. Os dois juntos construíram uma ótima condição financeira, propriedades e três filhos lindos. Formavam um casal formidável; eram tão formidáveis que a maioria das pessoas nem inveja deles tinham. Para ser sincero, só um dos conhecidos de Athaíde, um homem chamado Saulo tinha sentimentos degenerativos quanto ao casal.

Em um bar, Saulo disse ao grande Athaíde:
- Sabe Atha, as vezes me pego pensando no seu casamento. Vocês são tão felizes.
- Sim, somos muito felizes. Somos fiéis um ao outro, acima de tudo. - respondeu Athaíde.
- Entendo... mas eu estava pensando que sua digníssima esposa apenas está com você por comodidade. Aposto que se acontecesse a degeneração de sua qualidade de vida ela se cansaria de você e arranjaria outro homem. - disse o perverso Saulo.
- Não, isso é impossível! - disse o grandissímo Athaíde.
- Eu aposto, meu caro. Ela só está com você por comodidade.

O senhor Athaíde, encucado com tamanha dúvida, resolveu tirar a prova. Repentinamente, resolveu mudar a família inteira para a rua, vivendo como mendigos. Pedindo esmolas, comida e água, se passaram vários meses. Amanda, por vez, aceitou com calma sua nova situação, e reconheceu que se o marido fazia isso, algum motivo teria, e aquele não era o momento de inquiri-lo.

Neste momento o leitor deve estar pensando que Amanda provou seu amor a Athaíde, e eles viveram felizes para sempre. Encarecidamente peço paciência ao leitor para que vislumbre os próximos acontecimentos.

Atha chegou a Saulo e disse:
- Você estava errado, meu caro. Minha esposa continua me amando como sempre. Nossa relação é um rochedo.
- Confesso que me precipitei, meu amigo. Mas aposto que ela só continua ao seu lado porque a sua família ainda é unida.
- E como poderíamos testar essa possibilidade? - perguntou Atha.
- Veja bem: se você pedir o divórcio acabará se separando de sua família e o teste não funcionaria. Amanda continuaria com seus filhos e lamentaria sua ausência, porém nada maior ocorrerá. É necessária uma ação mais drástica: para testar o amor de sua esposa, preciso de sua autorização para matar seus filhos. Assim só ficarão você e ela, sem interferências. - respondeu Saulo, o perverso.

Athaíde, apesar de pasmo com a ideia, a aceitou devido à grande dúvida que o cometia. Saulo, sob a condição de não encostar em Amanda, matou os três filhos do casal de forma sanguinária.

Amanda, pois bem, continuou a amá-lo. Mesmo sozinhos, eram inseparáveis.


O leitor agora deve estar pensando que Athaíde não merece a companheira. Mas Amanda já provou seu amor, certo? Peço que o leitor tenha paciência e estômago, pois essa lindíssima história de amor ainda não chegou ao fim, apesar de grande parcela da narrativa já ter se desenrolado.


Saulo, visivelmente estupefato, admitiu seu erro a Athaíde:
- Eu estava enganado, meu caro. Mas o amor de Amanda por ti é grande, mas aposto que não incondicional.
- Como assim, homem? Já perdemos tudo! - exclamou absorvido Athaíde, o grande.
- Veja, Atha: Amanda, apesar de tudo, ainda é uma mulher bonita. Creio que sua vaidade a mantenha em pé, perante todos esses males que lhes causei. Se ela perdesse sua beleza...


Athaíde, contrariado, concordou que Saulo acabasse com a beleza de sua esposa; ele tinha que ter certeza de seu amor incondicional. Anonimamente Saulo jogou ácido no rosto e corpo de Amanda. Tamanha a desfiguração que lhe ocorreu, Amanda só manteve parte dos cabelos intactos: todo o resto de sua aparência estava monstruosamente alterada, com horrendas chagas lhe ocorrendo por todo o corpo.
Mesmo assim, Amanda continuou amando Athaíde, seu único e verdadeiro amor. Seu amor era fortaleza.


Você leitor, agora, deve estar embasbacado com o destino de Amanda, e com razão, lhe digo. Mas peço um pouco mais de parcimônia e sangue frio, pois essa lindíssima história de amor está quase chegando a seu estupendo ápice.

- Atha, Atha. Sua amada ainda não me convenceu. Você também não deveria se convencer. - disse Saulo.
- Saulo, homem! Ela perdeu tudo, não há lugar mais baixo que Amanda possa chegar! - esbravejou Athaíde.
- Ela ainda tem você, meu amigo. Abandone-a que você verá o que acontece.


Athaíde, sob grande pesar, mais uma vez seguiu o conselho de Saulo. Abandonou a desfigurada, mãe-sem-filhos e agora solitária e divorciada Amanda. Esta antes bela e virtuosa mulher estava no pior momento de sua vida. Com tudo que lhe tinha acontecido, seus antigos amigos a haviam abandonado, e quando estes a viam, cuspiam em sua antes formosa face e lhe chutavam a face e costelas, tamanha a repugnância que lhes passava.
Mesmo assim, Amanda, todos os dias antes de dormir em qualquer chão fedorento lembrava de seu amado Athaíde, esperançosa por tempos melhores. Seu amor não havia diminuído em nada.


Leitor, peço só um pouco de seu tempo pois essa belíssima, estupenda, e por que não dizer maravilhosa história de amor incondicional está chegando ao seu ápice, previsto erroneamente pelo autor no texto itálico anterior.


Amanda, sem nada mais na vida para se orgulhar, no ápice da miséria, teve a grande felicidade de encontrar um antigo amigo, Elifaz, que sabia do responsável por tudo que lhe havia acontecido. Quando Amanda soube que fora seu ex-marido que a deixou na miséria, morando nas ruas e que autorizou a morte de seus filhos e sua desfiguração ficou pasma. De tão chocada, arrancou seus poucos cabelos que lhe restavam, se vestiu com panos de saco e chorou. Mas a vida é uma caixinha de surpresas, e Amanda continuou amando Athaíde. Queria saber o motivo de tudo, porém.

Quando viu Athaíde na rua, se prostrou por terra e chamou o seu amado:

- Athaíde, por favor, converse comigo. Sei que foi você que me fez sofrer, e imagino que fez isso para testar meu amor por ti. Por favor, me explique o que ocorreu pois eu te amo!
Athaíde se contrariou com a pergunta:
- Mulher! Como ousa questionar meus objetivos? Eu que lhe sustentei durante anos! Te dei amor, uma família, um lar, propriedades e qualidade de vida e é assim que me retribui? Quem pagou sua faculdade, quem comprou seus sapatos? Quem fez carinho em você e em nossos filhos quando não conseguiam dormir? COMO OUSA?
- Me desculpe, meu amado. Peço seu perdão pela insolência.


E com esse diálogo, Athaíde se convenceu do amor de Amanda. Ela fez várias cirurgias plásticas, a ponto que ficou muito mais bela do que era anteriormente. Casaram-se novamente, tiveram mais seis filhos, moraram numa casa muito maior e tiveram o dobro de propriedades. Viveram felizes para sempre, e Amanda descobriu que um tapinha não dói.


Grande leitor, agradeço pelo perseverança na leitura do meu singelo conto. Espero que tenha entendido que o amor incondicional deve e pode ser testado, mesmo que o objeto que o ama nunca tenho dado motivos para a dúvida. Espero que tenha entendido que Athaíde - apesar de aparentemente um psicopata inseguro e infantil - é apenas um homem que tinha dúvidas do amor incondicional de Amanda. E espero que se identifiquem com Amanda, fenomenal personagem que nos remete à nós mesmos, sempre infelizes com nosso destino.
Digo também que se um dia este belíssimo, reflexivo e sapiencial conto for publicado em um grande e respeitado livro, ele será posicionado anteriormente a um grande capítulo de temas musicais de exaltação a Athaíde, esse lindão.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ser ou não estar?

Nós somos seres mutáveis. No decorrer de nossa jornada frequentemente mudamos de opinião e revemos nossos conceitos sobre tudo. Verdades antes absolutas se mostram equívocos esfregando em nosso rosto a nossa volatilidade.
Percebo que as pessoas demonstram uma dificuldade enorme de admitir que estavam erradas, seja em uma conversa mundana de mesa de bar, em debates acalorados ou em decisões sobre a vida. Felizmente, aprendi a não ter problemas em admitir meus erros, a fazer o possível para remediá-los e a pedir desculpas por tudo o que eu possa ter causado. O problema é que eu, pelo menos, demoro para perceber que errei.
De erro, subentende-se que se saiba o que é certo, e o certo nunca é fixo em qualquer âmbito de raciocínio; daí aparecem os arrependimentos que mais frequentemente do que deveriam tornam tarde demais a remediação completa do dano.

Nos últimos anos, tenho trocado o verbo ser pelo estar em muitas das minhas frases. Sinceramente não sei se é pela minha idade ou maturidade, mas ser alguma coisa tem me parecido muito duro; estar alguma coisa é mais correto aos meus ouvidos: me lembra do quanto meus pensamentos podem mudar.
Um pensamento que me veio agora: é bem conveniente o verbo to be do Inglês significar as duas coisas ao mesmo tempo. Me passou pela cabeça que nossa linguagem lusitana é meio prepotente, nos impossibilitando de sintetizar estes dois verbos que tem praticamente o mesmo significado mas com julgamentos temporais diferentes. Ou talvez a língua inglesa seja conveniente demais com a humanidade, falha por si só. Vai saber.

Assisto triste a formação de paradigmas maniqueístas, baseados nos ridículos conceitos binários do bem e do mal, do certo e do errado, de Belerofonte matando a Quimera. Esses paradigmas formam uma blindagem ao raciocínio lógico que está eternamente em desenvolvimento, e que é belo justamente pela própria mutabilidade.

Os cientistas, sábios e estudiosos como só eles, nomeiam suas verdades como teorias, e isso os lembra que nada é imutável. Recentemente a Teoria da Relatividade de Einstein foi confrontada com o Grande Colisor de Hádrons e uma nova era da física está por vir, corroborando tudo o que o alemão provou. A beleza é que a corroboração da teoria não invalida seu mérito: vai ser eternamente lembrada como um degrau importante na compreensão das leis do tempo e do espaço, possibilitando um avanço enorme na tecnologia. Ironicamente, o resumo da mais famosa teoria da física é que "tudo é relativo". Einstein ficaria orgulhoso de estar errado.

Analisando leigamente a dificuldade humana de assumir seus erros, me vem à cabeça o grande problema da nossa espécie na minha visão: a auto-estima. Esta maldita normalmente tem comportamentos dúbios: quando alta demais nos torna prepotentes; quando baixa demais nos torna inseguros e desejosos de auto-afirmação.

Meu tio me disse quando eu estava no auge da adolescência: "é preciso estar muito certo pra admitir que está errado". Eu, na época mais arrogante da minha vida não entendi o que ele quis dizer, e quatorze anos depois entendo que ele se referia à coragem e honras necessárias para se abaixar a cabeça. Ironicamente, este sábio faleceu prematuramente negando a todos os seus problemas.

Empresto aqui o raciocínio do meu tio, e digo: o certo é aceitar que um dia você estará errado, e aceitar a mudança como algo natural. 

Olha eu afirmando alguma coisa com verbo ser de novo. Merda.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Sobre a artística necessidade da música

Fazer arte é só para os fortes. É necessária uma coragem absurda.

O problema não é nem mostrar a sua arte para os outros, mesmo porque a divulgação não é obrigatória. O problema é lidar com os próprios demônios, dominá-los e traduzi-los para uma forma de arte. Esse processo é extremamente dolorido.

A arte é incrível porque por meio dela é possível dizer o que as palavras não conseguem. Pelo menos as minhas não conseguem. Adoraria conseguir sentar aqui e passar para um texto o que eu estou sentindo, mas me falta a habilidade para tanto. Não tem jeito: nunca um texto meu vai passar a tristeza que eu sinto quando eu penso em algumas coisas. Isso até seria possível se eu estudasse e desenvolvesse a minha escrita, mas pra mim a literatura é mais uma arte a ser apreciada do que desenvolvida.

A música era a minha arte. As melodias que saíam da minha cabeça nunca foram tão boas quanto eu achava que deveriam ser, mas eram suficientes boas para eu poder dizer o que queria. As harmonias nunca foram suficientemente densas como eu imaginava, mas o timbre e a dinâmica corrigiam essa minha falha, e o resultado era satisfatório. Por meio da música eu falei sobre o amor, a paixão, a raiva, a solidão, a tristeza, a saudade.

Sempre me disseram que tudo o que eu compunha era triste. Isso acontecia porque poucos sentimentos bons me inspiravam a ponto de precisarem serem traduzidos em acordes e melodias. O processo de composição sempre me serviu como reflexão, tanto é que minhas composições demoravam meses pra ficarem prontas. Eram polidas até a exaustão, até que o próprio sentimento que as originou fosse resolvido, aceitado, aproveitado ou o raio-que-o-parta. Eu só me sentia confortável para mostrar minha música quando me sentisse confortável o suficiente pra mostrar meu sentimento. Terapia pura.

Largar a música foi a decisão mais difícil que tomei na vida. Foi como se eu ouvisse tanta bobagem que acabasse fazendo um voto de silêncio de tão magoado que estava com a linguagem. Foi como parar de pintar por ter raiva das cores, ou parar de escrever por não ver mais sentido nas letras. Perder esse amor pela arte é algo que eu não desejo pra ninguém.

Ultimamente eu tenho sentido muita saudade de tocar, e creio que esteja na reta final desse também doloroso processo de retorno. Parece que eu tenho sentido necessidade de voltar a "falar música".
Creio que só agora, anos depois, eu tenha tido a capacidade de lidar com meus demônios e voltar a traduzi-los em arte. Hoje eu acho que sou capaz de tocar por tocar, e não pra viver.

E realmente, a escrita não é meu forte. Esse texto nem era pra ser sobre isso.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Leap of Faith

Não creio que há uma expressão brasileira que traduza bem o Leap of Faith inglês. É daquelas expressões estrogonóficas que tem um significado simultaneamente simples e complexo: pular sem pensar, confiando no destino. É arriscar, jogar a segurança fora. Em Português, o mais próximo que me vem à cabeça é o "entrar de cabeça", que nos remete a pular num rio sem se preocupar com a profundidade da água. O sentimento é o mesmo, mas no rio pelo menos a gente sabe a altura do barranco e quando que vai chegar a barrigada na água. No Leap of Faith só há o vazio e o arrepio da queda, não se sabe nem se um dia você irá tocar o chão novamente. Essa concepção tem me dito bastante nas minhas últimas inúteis divagações filosóficas. Leap of Faith, camarada Zaitsev.

É preciso coragem pra dar esse salto, e antes de dar o salto é necessário se despir de todas as seguranças que te prendam. Creio que essa seja o foda: o Leap é fácil, difícil é o Faith.

A fé é um negócio bem filho-da-puta: é acreditar em alguma coisa, confiar profundamente em algo inconcebível.
Quero passar longe da concepção de fé religiosa, creio que ela seja muito infantil. É fácil demais confiar num ser onisciente, onipotente e benevolente. Em teoria, você não tá correndo risco algum: o cara entende de tudo, sabe fazer tudo e ainda por cima é bonzinho. Isso me parece mais uma saída covarde para os problemas da vida. "Confiar no Boi-Tatá" pra mim é tirar o corpo fora, é não admitir pra si e pro resto do mundo que aquilo está fora do seu alcance. É não pedir desculpas por não poder ajudar. É dizer "eu conheço um cara que pode resolver", mas não passar o telefone do peão. Boi-Tatá, se você existe, um dia a gente conversa sobre isso, mas pra mim você simboliza a covardia humana.
A palavra fé pela própria definição não admite raciocínio. Portanto, a fé pura é confiar no caos, que pela própria definição não te garante porra nenhuma. E cara, pra confiar no caos você tem que ter culhões. Leap of Faith, camarada Zaitsev.

Nos últimos tempos eu tenho visto bastante gente desistindo na hora de dar esse pulo.
Muita gente que prefere jogar um "talvez" ao vento só porque ele é "talvez" - e não "provavelmente" - e eu fico triste com isso. O medo de sair da merda, só porque você já se acostumou com o cheiro; o receio de desatolar da lama, pois a estrada é desconhecida; o raciocínio do "é melhor um pássaro na mão do que dois voando". Não, não é melhor não: pássaros foram feitos pra voar.
Obviamente eu dei sorte no meu último pulo, mas já me dei mal também. Em alguns desses pulos, eu não cheguei no chão até hoje, e isso faz parte. A vida é assim, não dá pra controlar tudo, camarada Zaitsev.

Tenho fé que as pessoas vão aprender a ter fé.